DESVALORIZAÇÃO

Preço do leite pago ao produtor cai e pressiona margem de lucro

Os preços pagos ao produtor estavam atingindo níveis recordes nos últimos seis pagamentos, mas isso mudou em setembro

Por Eliza Maliszewski, de Canoas (RS) e Valéria Burbello, de Curitiba (PR)
10 de outubro de 2022 às 15h16

Depois de uma escalada de altas, o preço do leite pago ao produtor recuou. No pagamento de setembro, que remunera a produção captada em agosto, os preços caíram 6% em relação ao mês anterior. Entidades do setor e pecuaristas dos estados da região Sul, que representa 39% da produção nacional, estão preocupados que esse movimento de queda persista nos próximos e, dessa forma, aumente o abandono da atividade.

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Os preços pagos ao produtor estavam atingindo níveis recordes nos últimos seis pagamentos, principalmente em agosto, quando chegou à média de R$ 3,00. Em setembro, no entanto, o produtor recebeu, em média, R$ 2,79 pelo litro do leite, valor que, todavia, não gera margem para o setor produtivo. A análise nesse sentido é feita pela Scot Consultoria em 18 estados brasileiros.

“O preço pago ao produtor vinha aumentando porque a captação estava bem fraca e, assim, a indústria estava precisando bastante de matéria-prima. Foram aumentando esse preço para conseguir captar um pouco mais, para ver se trazia, por exemplo, produtores novos para a captação. “Feito isso, estimulou essa produção maior”, avalia Jessica Olivier, engenheira agrônoma e analista de mercado da Scot Consultoria.

“Mas como agora eles têm um pouco mais de produção sem mais matéria-prima e aí vem essa barganha”, prossegue a engenheira agrônoma. “Eles querem diminuir o preço pago ao produtor porque o preço está muito caro, estava sendo repassado para o varejo, que estava tendo dificuldade em escoar os produtos lácteos”, complementou a profissional da Scot.

Preço pago em Santa Catarina

leite - senador do pt - paulo paim

Foto: Freepik

Em Santa Catarina, o preço médio pago ao produtor em setembro foi de R$ 2,95. Para a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do estado (Epagri), o comportamento do preço recebido pelos produtores está muito menos determinado pelo consumo e muito mais determinado pela oferta.

“Esse movimento de aumento de preços que houve num período mais crítico de oferta que se dá a partir do mês de abril, está passando”, observa Tabajara Marcondes, engenheiro agrônomo da Epagri. “Estamos num momento de aumento de oferta significativa em relação à demanda. Como a oferta está em recuperação, a tendência é essa, era visível que os preços entrariam em queda a partir de agora”, afirmou. “Para se ter um ideia: neste mês de outubro, as primeiras sinalizações que recebemos são de reduções de preços recebidos aos produtores na faixa de R$ 0,50 a R$ 0,55.

Preço pago ao produtor do Paraná

leite

Foto: Canal Rural/reprodução

No Paraná, a tendência para os próximos meses também é de um cenário com mais pressão nos preços pagos ao produtor de leite. Dados do Departamento de Economia Rural (Deral) mostram que em setembro o preço médio recebido pelo produtor por litro de leite foi de R$ 3,08. A saber: valor R$ 0,27 a menos que em agosto, quando o preço pago foi de R$ 3,35. No varejo, contudo, o preço médio no mesmo mês foi de R$ 5,30.

“Não tivemos toda essa alta que apareceu nas gôndolas dos supermercados”, lamenta o produtor de leite Vilma Fulber. “A gente até vinha acompanhando isso e com preocupação. Agora, no começo de outubro, já está sendo anunciado abaixo de R$ 0,40 centavos por litro”, comenta. “Isso me preocupa. Se houver mais queda, acredito que vai começar a ter falta de produto no mercado, ou vai se importar muito, porque o nosso produtor não vai suportar mais quedas.”

Produtor de leite no Rio Grande do Sul

soro de leite

Foto: Pixabay

No Rio Grande do Sul, a situação também é preocupante. De acordo com o Conseleite, o preço pago pelo litro em setembro ficou em uma média de R$ 2,27, o que representa queda de 12% em relação a agosto. Nesse sentido, o Cepea estima a média do Brasil em R$ 3,04 litro. A Associação dos Criadores de Gado Holandês (Gadolando) destaca que, além de tudo, o estado gaúcho teve impactos ainda de três anos de estiagem.

“Tivemos que nos… Eu não gosto da palavra endividar, mas tivemos que ir às linhas de crédito para comprar comida para os animais, ou então vender os animais”, diz o presidente da Gadolando, Marcos Tang. “Praticamente todas as propriedades aqui no Rio Grande do Sul tiveram que fazer essa decisão. Claro, as que têm mais poder de crédito ou que têm alguma coisa associada foram e compraram esse alimento. Só que nós estamos comprando um alimento que outrora não comprávamos, que é a silagem de milho que faltou por causa de condições climáticas.”

Para a família do Gilnei Remonte, que produz leite no noroeste gaúcho, o cenário é visto de maneira bem crítica. “Há poucos meses atrás, a indústria estava vendendo o litro de leite há R$ 7 ou R$ 8 na prateleira do supermercado. Para o pessoal que mora na cidade, fica uma dificuldade muito grande de consumir esse produto. Dessa forma, automaticamente, vem a redução do consumo e sobra produto. E acontece isso: desvaloriza-se o produto, principalmente aquele da pequena propriedade.”

“Aqui em Pinhal (RS), que é formado na maioria de pequenas propriedades, muitos produtores de leite abandonaram a atividade”, comenta Gilnei. De acordo com ele, cerca de 20% dos produtores que lidavam com leite na região abandonaram a atividade somente no último ano.

Produtores deixam de trabalhar com leite

leite

Leite. Foto: Aires Mariga/Epagri

A baixa não é considerada normal nesta época. Normalmente, os preços costumam cair mais no fim do ano. Agora, contudo, a preocupação das entidades é com as consequências que isso pode trazer para o setor. Isso porque os custos de produção estão maiores.

Um levantamento da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) destaca que somente na alimentação o custo da ração subiu 53% de 2020 a 2022. Os fertilizantes, por exemplo, variaram mais de 115% no mesmo período. Além disso, o que preocupa é que as importações de países vizinhos, como Argentina e Uruguai, cresceram acima de 130% e são mais vantajosas do que comprar no mercado interno.

“Saliento que o produtor de leite, diferentemente de outras atividades agropecuárias ou de quem planta grãos, não pode um ano plantar leite e no outro, dependendo do clima, não produzir”, reforça Marcos Tang. “Não dá. Você tem um rebanho, a terneira que nasce hoje em outubro de 2022 só vai dar algum retorno em outubro de 2024 se criada com conforto, boa alimentação e carinho. Atividade que é sempre de médio e longo prazo”.